A fé do
Gabigol
Por Vanderlei Testa
O jogador do Flamengo Gabigol ao adentrar o gramado no jogo da
decisão da Taça Libertadores da América fez o sinal da cruz, tocou o troféu e
colocou a mão no coração. É fé, simpatia ou superstição? E a torcida com terços
nas mãos e fazendo gestos de superstições, como figa? Na minha infância a vovó Victória, usava de
rezas que aprendeu com os seus pais na Itália para os chamados ‘quebrantes’ das
crianças da redondeza da rua Santa Maria no bairro Além Ponte. Também àqueles
adultos que tinham a necessidade de orações às suas dores de cabeça pelo
excesso de sol, ela usava uma toalha dobrada em quatro partes e um copo com
água virado para baixo sobre a cabeça.
Em minutos havia um aborbulhamento na água do copo e sumia a tal dor.
Lembro que vi muita gente saindo sorrindo e feliz pela leveza da dor. Simpatia
ou fé seja lá o que for o nome dessa prática dos meus antepassados e de quem ia
procura-la, acredito que a fé remove montanhas, como diz o evangelho. Eu ficava
observando que um pequeno livro de orações em idioma italiano era usado por
ela. Guardo essa relíquia comigo.
Já a simpatia humana é
um sentimento de afinidade que atrai
e identifica as pessoas.
Essa definição da palavra simpatia é a citada nos dicionários da língua portuguesa.
Mas tem a tal de superstição na cabeça do povo, para as mais variadas
alternativas, como: sal grosso na porta da casa e a figa no carro e espada de
São Jorge, ramos de arruda e a planta “comigo ninguém pode”, pé de coelho,
ferradura, trevo de quatro folhas. Vi numa loja de shopping esta semana um
grande pote de sal grosso na porta de entrada. Um amigo diz que a pessoa com
fé, não começa o dia com o pé direito e outras superstições. Começa de joelhos
dobrados em oração.
Existe esse uso da expressão “simpatia”, aquela palavra que as
pessoas usam como um recurso de conseguir uma proteção. Os jogadores de futebol
que se benzem três vezes e beijam a mão ao entrarem em campo. Esse imaginário
do povo chega a ser até engraçado. Um amigo de longa data contou-me que era
gago quando criança. Um dia uma pessoa vizinha da sua casa, falou aos seus pais
que para curá-lo da gagueira, deveriam comprar uma colher de madeira de uso em
cozinha. E todos os dias a mãe deveria bater com a colher de pau em sua cabeça.
Ia curá-lo de ser gago. O coitado do Wil disse que até o “galo” cantou na sua
cabecinha de tanto receber pancadas. E o pior, não curou a gagueira.
Pesquisei sobre o tema simpatias. A Thais Andrade me disse que
em sua cidade natal, Recife, era costume uma simpatia para as moças se casarem.
Bastava fazer um corte de faca na bananeira e esperar sair o liquido que
formava a letra do nome do possível namorado. Outra lembrança dela era no
Natal, comer de uma só vez doze grãos de uva, simbolizando os meses do ano.
Assim teria felicidade no ano novo. Havia outras simpatias relatadas pelos
amigos de corredores denominados “Atletas da Padaria”. Abro um parêntese aqui.
(o nome do grupo refere-se aos retornos das corridas e paradas obrigatórias em
padarias para o tradicional pão de semolina na chapa com café com leite). Isso
não é simpatia, é amizade. Outras “simpatias e superstições” nas aprontadas de
infância citou o Wilson: Uso do chinelo e da cinta, nas malcriações. E nunca o
chinelo poderia ficar virado, pois dava azar. Essas simpatias doíam e não tinha jeito.
Creio que a fé, um dom
gratuito de Deus, pode realizar mudanças na vida de uma pessoa. Longe de ser
simpatia ou superstição a oração funciona muito. A ligação do humano com o
divino acontece pela conversa sincera e no silêncio. Os meus pais, avós e avôs
traziam esses costumes de orar. Acredito que ao contrário, a somatização de
pensamentos negativos traz resultados ruins a quem “encasqueta” na cabeça
traumas ou sentimentos de culpa e outros, como o de rejeição. Isso pode ocasionar
para muita gente a doença emocional. Tenho ouvido no transcorrer da vida muitos
casos nesse sentido. Interessante que este artigo não estava na minha
programação de dezembro. Não é simpatia. Escrevi por acreditar que neste
momento poderá ser útil a alguém que precisava ler para repensar a sua vida em
2020. É uma questão de gratidão à vida proporcionar ao próximo à oportunidade
de viver feliz. Na pesquisa, um empresário sorocabano contou-me que sua mãe o
levava na Dona Mariquinha, uma das mais conhecidas de Sorocaba em benzer crianças
até a década de 60. Ela mandava tomar, no seu caso de anemia, um copo de água
todos os dias com pedacinhos de carvão. E a sua saúde estava sempre saudável,
relatou-me. Fui ler sobre o que o carvão vegetal faz à saúde e sistema
digestivo. Os especialistas dizem que limpa o organismo das toxinas. Boa sacada
da Mariquinha.
Acredito que entre as causas da insegurança e traumas, o perdão
que conseguimos dar à pessoa que nos magoou, “do fundo da alma” irá aliviar a
nossa cabeça e o coração. A consequência, sem precisar da colher de madeira na
cabeça, é a cura que recebemos pelo perdão e a fé em Deus, que nos fez e deu o
dom da vida sem nenhum trauma emocional. Quanto às simpatias que citamos,
pessoalmente não acredito que plantas ou outras superstições irão realizar
“milagres” emocionais, físicos ou de proteção espiritual. Mas, cada um tem a
liberdade de escolha nas suas decisões. O Gabigol fez os dois gols e conquistou
o título ao Flamengo. Sorte ou fé o seu ato de tocar a taça depois do sinal da
cruz? É o chamado livre arbítrio.
Foto: arte criação de Zé Rodrigues/VT
Vanderlei Testa, jornalista e publicitário escreve
quinzenalmente ás terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no
www.facebook.com/artigosdovanderleitesta.
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