Hoje é dia 28 de janeiro. Tenho um dia de vida. Ontem às 10
horas da manhã, concidentemente numa segunda-feira, das mãos da parteira dona
Maria, eu nasci de parto natural e vim ao mundo. Esse dia 27 de janeiro foi há décadas,
mas permanecem vivas as histórias da infância contadas por minha mãe. A casa na
Rua Santa Maria 111 estará na minha vida eternamente. Vivi lá 26 anos de
solteiro e meus pais por mais de 60 anos. Carmela e Ernesto descendentes de
italianos geraram no amor cinco filhos. O casamento permaneceu por 60 anos até
a despedida deles para o céu. Papai viveu 86 anos e mamãe 93 anos. Meus irmãos
gêmeos, Júlio e Ernesto não suportaram à falta de recursos médicos daquela
época e faleceram logo após o nascimento. Com o passar do tempo vieram o Darci,
eu e o Ernesto Junior. A casa no bairro
Além Ponte me lembra duma plantação de
roseiras e das folhagens no quintal. Havia um perfume abençoado em cada cômodo.
Era exalado pelas flores e plantas cultivadas com carinho pelas mãos calejadas
do meu pai e das mãos delicadas de minha mãe (foto). Papai era ferroviário, com
mais de 35 anos de serviços prestados nas Oficinas da Estrada de Ferro
Sorocabana. Mamãe era tecelã na Fábrica de Tecidos Votorantim.
Na minha infância sentia a saudade de ver a mãe protetora
partir cedinho com sua marmita para pegar o bondinho que a levaria trabalhar.
Como meus pais tinham abrigado minha avó, uma tia viúva e seus dois filhos
ainda crianças, eles acabavam ficando na minha companhia junto com o Pirata, o
cãozinho na foto acima, em meus três meses de vida. Posteriormente a tia Helena
conseguiu emprego na Fábrica Santa Maria. O cantar de pássaros no corredor da
casa que ia da porta de entrada até o quintal era a alegria de meu pai. Ele
cuidava dos canários, sabiá, curió avinhados e outros da sua turma de amigos,
como chamava cada um. Amigos que cantam e encantam. A simplicidade dos três
quartos, sala e cozinha e uma varanda com quintal e seus dois quartinhos no
fundo é uma poesia adocicada aos meus olhos. Cada espaço têm momentos
inesquecíveis. O quarto da frente, onde meus pais dormiam, era aos domingos de
madrugada uma sinfonia de sons da feira livre. Em frente ficava uma banca de
verduras do seu Silvio e da dona Dolores Galvão. Espanhóis, eles iniciavam à
montagem da banca com muita conversa sobre onde colocar as couves-flores,
cebolas, alhos, alfaces, repolhos e frutas. Quando tinha meus nove anos de
idade, havia uma banca de bolachas ao lado das verduras. O dono era o Paco. Ele
acabou por me convidar para ficar ajudando a ensacar os biscoitos que vendia
por quilo. Sempre dava um jeitinho de comer uma bolacha meio escondido, até o
dia em que ele me liberou certa quantidade por domingo para degustação. Foi uma
festa esse dia!
Nas lembranças, penso que o dia que vim ao mundo, com a
chuva de bênçãos que desceram das nuvens, caiu também do colo de minha avó Victória
Calegari Testa um amor só comparável ao colo de Maria, mãe de Jesus. Ela com
seus mais de 80 anos e cabelos brancos alvejados como neve, era a pureza da
nona italiana. Veio da Itália ao Brasil com 18 anos de idade, já casada com meu
avô Giuseppe, e uma filha de nove meses. Na bagagem, um relógio de parede, de
1888, que mantenho em minha casa. Foi nessa fase da minha vida que conheci a
polenta, verdadeira iguaria que a nona fazia em panela de ferro para
almoçarmos, enquanto meus pais trabalhavam. Aquela casquinha do fundo mastigava
como uma crocante bolacha de milho. Tinha tanta gente vivendo em casa,
acolhidos pelos meus pais, que fiquei anos no quarto deles até passar ao
segundo dormitório com meu irmão Darci, nove anos mais velho. Ele com 18 anos e
eu com nove anos. É que nasceu o terceiro filho, Ernesto Junior, quando minha
mãe tinha 40 anos e cedi o lugar para ele no berço-cama.
Nesta retrospectiva de vida em minha família, destaco as
habilidades culinárias da mamãe. Fim de semana tinha o pão que ela fazia. A
fumacinha saindo do forno e a cor da massa assada gerava um convite a
saboreá-lo quentinho. Difícil de descrever essa iguaria que foi incialmente
amassada com aquelas frágeis mãos até ficar no ponto em crescimento com o
fermento. E a sua macarronada, bolinho de chuva, bolo, doces de abóbora e figo,
mamão verde, ufa! Dia 5 de janeiro de 2020 a mamãe Carmela faria 105 anos de idade.
Nesse dia na missa da Epifania do Senhor, orei e a saudade bateu forte no
coração. Veio à mente todas essas lembranças durante o dia. Decidi escrever
este artigo em sua homenagem e ao papai, irmãos, avós e familiares que moraram
conosco: Vó Vitória, tia Helena, primos Tereza e Antônio Modolo, Gumercindo Basso,
Darci e Mafalda Zambom. Quantas vezes tivemos que dormir em colchões
improvisados no chão pelo número de primos que vinham passar férias em casa.
Um lar que na simplicidade das instalações, naquela época
dos anos 50, sem geladeira, fogão a gás, televisão, liquidificador, batedeira e
outras utilidades domésticas. Meus pais acolhiam e davam conta de alimentar com
amor cada pessoa com as mãos e carinho. A eles, muito obrigado pela vida.
Obrigado pais por vocês terem existido e ressuscitado na fé cristã católica.
E pra finalizar, o meu nome era para ser José Testa. Nome do
meu avô. No caminho do cartório pra registrar, o meu pai encontrou um amigo de
nome Vanderlei. Gostou! E daí que ao chegar ao cartório decidiu me chamar de
Vanderlei José Testa. E assim foi feito!
Benção pai, benção mãe, benção nona, como eu falava todos os
dias!
Vanderlei Testa jornalista e publicitário escreve
quinzenalmente às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta
e no www.blogvanderleitesta.com
Foto arquivo de família: Mamãe Carmela e suas flores
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