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A enxada que plantou sementes de vida
A enxada que
plantou sementes de vida
Acredito que uma
das maiores coleções de etiquetas de enxadas do Brasil está comigo. Sua origem
é da Fábrica de Enxadas Nossa Senhora Aparecida, fundada em Sorocaba em 1937. A
compra dos fundadores da empresa tem registro no cartório e publicação oficial
em 1947 no Jornal Cruzeiro do Sul. Há
uma cópia em meus arquivos. Coisa de colecionador? Certamente, não é. Mas, pode
ser para os colecionadores de peças raras ou para uma Faculdade de Agronomia.
Foi um presente que ganhei há mais de 40 anos. Mantenho guardado como relíquia
da história da industrialização de Sorocaba, pois as enxadas plantaram sementes
de vida.
Quando
escrevemos em 1984 (Vanderlei Testa e Sergio Coelho) o livro “A Enxada que Plantou
uma Siderúrgica”, tivemos a oportunidade de conversar com o diretor comercial
Remo Ópice e com dono da fábrica de enxadas Luiz Pinto Thomaz. As marcas das
enxadas em etiquetas, além de serem modelos dos concorrentes, representavam o
que a concorrência produzia. Naquela época, muitos empresários simplesmente compravam
as enxadas da fábrica de Sorocaba e inseriam as suas etiquetas para venderem em
seus Estados de origem. A original Enxada Zap (Quatro Paus, do baralho),
Coringa e Nossa Senhora Aparecida, três
das mais tradicionais do Brasil eram forjadas nos marteletes da rua XV de
Novembro. Esse local hoje abriga a Escola Leonor Pinto Thomaz, nome da mãe do
fundador. Acompanhei durante alguns anos a produção de enxadas na fábrica da
Rua Padre Madureira, nas dependências da Metalúrgica NS Aparecida. Era
artesanal. Os aços produzidos no forno da Aciaria chegavam após laminado, para
serem malhados, como se diziam, àquelas peças aquecidas em mais de mil graus. O
martelete era impulsionado na máquina que batia com força na peça em alta
temperatura até espichar longamente em dimensões da enxada. Tudo dependia da
habilidade dos operários e de suas ágeis mãos em produzi-las. Mais de três mil
peças por mês. Eram feitas em três turnos de oito horas. Uma imagem que ficou
na memória em cada passo do processo. Relembro com detalhes a beleza do aço
incandescente das enxadas sendo finalizadas e temperadas, acabadas e com suas
etiquetas e embalagens. Caminhões e trens partiam de Sorocaba para levá-las a
todas as partes do imenso território nacional. Em tempos de eleições,
candidatos apareciam para comprar as enxadas para serem etiquetadas com os seus
rostos e nomes. Seriam entregues como brindes aos eleitores agricultores e
lavradores. Cheguei a ver a etiqueta do candidato ao governo de Estado de São
Paulo, Ademar de Barros. Fato pitoresco contado pelo próprio Luiz Pinto Thomaz
é que ele só pagou depois que ganhou as eleições e por cobrança pessoal do
mesmo empresário que cobrou insistentemente, pois dependia do pagamento para
continuar produzindo. Nada era de graça.
Escrevo olhando
as diferentes etiquetas de enxadas, de marcas diferentes. Encontro nomes curiosos. Muitas com slogan. A marca “Tiririca” é originária de Minas
Gerais e foi criada com esse nome devido às graminhas pragas entre as
plantações. O slogan ia junto para ajudar a convencer os lavradores: “Tira
Fogo”. Tem a marca “Trabalho”, da Bahia. Uma imagem de bigorna simboliza essa
enxada. De Belo Horizonte há a etiqueta “Famosa”. A Enxada Calango é de
Fortaleza, Ceará. Curiosa à marca “Teiú” de Sorocaba. De Sergipe, a etiqueta da
marca Tatú, diz que é feita de aço puro. Na etiqueta da empresa Lopes, está
escrito em destaque abaixo da “Enxada Jangada” a frase: “devolva ao vendedor se
apresentar defeito de fabricação”. De Porto Alegre, a “Enxada Ely”, diz ter
têmpera garantida. De Varginha, a “Dous
Leões”, assim mesmo que consta a marca com o “dous em latim. Como destaque a
Rede Sul mineira afirma que o produto é de aço superior. Vem de Aracajú o
“Gavião e o Javali,” como marca da enxada. O Ganso, a Gárgula, Tigre,
Bem-te-vi, Gorila e Leão, são alguns dos bichos escolhidos pelos fabricantes em
suas marcas de enxadas. A marca “Coringa” é uma das mais famosas como produto
exclusivo da Fábrica de Enxadas de Sorocaba. Entre dezenas de marcas do Brasil
com uso das enxadas que foram forjadas na Rua XV de Novembro pela equipe do Luiz
Pinto Thomas, tem a Ave Maria, a Corta Aço, do Pará, Luar, Goitacás, de Campos
e a Pelicano, do Rio de Janeiro. A marca “Raio” ousa escrever na sua imagem
ilustrada com desenho de uma pessoas segurando um raio, que é exclusivamente fabricada para a lavoura
brasileira. O concorrente fabricante da Enxada Santa Cruz não deixou por menos
e lançou sua marca com destaque na etiqueta: “A única que não tens igual e
combate todas, unicamente para as terras de Santa Cruz”.
Vale destacar o
primeiro funcionário da Fábrica de Ferramentas e Ferragens, o saudoso Odorico
da Graça Andrade. Ele morava na av. Pereira da Silva 316. Junto com sua esposa
Ceci Bevevino, através do trabalho na fábrica de enxadas, o casal educou seus
filhos para serem médicos. Odorico foi o “guarda-livros” da fábrica. Na época
dos anos 30 ele morava, como solteiro, na casa dos pais na rua Souza Pereira,
vizinho do barracão onde se produziam as enxadas Zap e Coringa. E lá trabalhou
até se aposentar em 1966, já como Indústria Metalúrgica NS Aparecida.
Infelizmente, a
grande área de dez alqueires que foi a Siderúrgica Aparecida está abandonada às
margens do Rio Sorocaba. Morreu da “pandemia econômica do Brasil” no incentivo
à produção siderúrgica do país.
Foto :
Vanderlei Testa
Vanderlei Testa
jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e
aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e
www.facebook.com/artigosdovanderleitesta
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