A moeda engasgada


 A moeda de Cruzeiro em uma história emocionante 

 

A vida ensina desde a infância a  sermos obedientes aos pais. Recordo que os meus pais Carmela e Ernesto, operários da indústria têxtil de Votorantim, quando eu tinha sete anos de idade, em 1954, participavam dos festejos juninos que aconteciam nessa cidade. O bondinho saindo da estação Paula Souza, em Sorocaba, partia com a Maria Fumaça tocando o sino, apitando e jogando no ar o vapor da caldeira alimentada de lenha. Os vagões enchiam rapidamente e os operários da fábrica, mesmo tendo trabalhado a semana toda, ainda voltavam à festa junina. Naquela época,talvez a maior de toda região, incluindo a cidade de Sorocaba. 

No ano de 1954, a minha família, em quatro pessoas, decidiu comparecer na festa. Meus pais, eu e meu irmão Darci. Ele tinha nove anos a mais que a minha idade, 16 anos. Um adolescente. Passeamos juntos os quatro pelo evento e acompanhamos uma cerimônia religiosa que havia por lá dedicada a São João Batista. 

Depois de horas, o retorno no mesmo bondinho. Descíamos na Rua Paula Souza e, a pé, subíamos a Rua dos Morros, depois de atravessar a ponte da Rua Quinze de Novembro. Em conversa animada de meus pais e irmão, eu apenas acompanhava os adultos, sendo conduzido pelo meu irmão Darci, segurando a minha mão. 

Assim, chegamos à nossa casa, na Rua Santa Maria, 111, onde depois de abrir a porta, todos sentamos nos degraus que haviam na entrada. Os vizinhos estavam sentados em cadeiras na calçada, como costume dos anos 50. Fazendo companhia aos vizinhos, meus pais  conversavamcontando sobre a festa de Votorantim. Eu e o meu irmão sentados no degrau de entrada no corredor que dava acesso ao interior da casa, apenas ouvíamos as conversas. Em um determinado momento, sentindo fome, eu pedi ao meu irmão que gostaria de beber leite. Minha mãe, ouvindo, logo falou ao Darci para pegar na cozinha. Passamos alguns minutos ainda nos degraus, atéque o Darci me disse que daria uma moeda, caso não precisasse pegar o leite. Como criança não tem noção de valor e nem sabe direito sobre dinheiro, mais por curiosidade, aceitei ganhar a moeda que era chamada de Cruzeiro. Contente e feliz com o presente, eu fiquei brincando com a moeda e meu irmão livre da incumbência de oferecer o leite. Ele saiu na rua e me deixou sozinho por uns momentos

Foi o suficiente para que eu pusesse a moeda na boca e daí ocorreu o acidente que quase acabou com a minha vida. A moeda entalou na garganta. Assustado, avisei aos meus pais que tinha engolido a moeda, falando com dificuldade algumas palavras. Foi o bastante para eles me carregarem e saírem correndo até a casa de um médico que morava em frente ao ginásio de esportes na Rua Duarte da Costa, a 300 metros de casa. 

Ficou na minha memória apenas que dessa casaeu fui levado urgente até a Santa Casa de Sorocaba. O caso era grave. Se a moeda virasse de lado na garganta eu seria impedido de respirar e morreria. 

Ainda depois de 70 anos, consigo lembrar-me da poltrona que sentei com minhas mãos e braços entrelaçados por faixas e imóvel de boca aberta. Fiquei lá até que o médico doutor Newton Vieira de Souza fosse chamado como profissional otorrino, o que demorou um tempão. Não havia facilidade de comunicação e nem carros disponíveis. Ele morava no centro da cidade e eu estava na Avenida São Paulo no pronto socorro do hospital. 

Quando o médico chegou foi logo me examinando e disse que o caso precisava ser resolvido de imediato. Pediu às enfermeiras, irmãs freiras que ajudavam para preparar umas pinças. Com a sua experiência no assunto garganta, pegou as pinças e com competência conseguiu enfiar garganta abaixo aquelas pinças. O alívio de aparecer àmoeda pinçada e respirar de novo sem aquele metal na minha garganta foi algo indescritível. 

Saindo da amarração da cadeira pedi a moeda de novo, já que era minha. Esqueci que como criança não mandava nada. Só obedecia. Nunca mais vi essa moeda que meus pais deram como oferta na igreja em agradecimento por minha vida ter sido salva! E agora por isso, estou escrevendo este artigo semanal no jornal Gazeta de Votorantimcontando a história da moeda que foi de réis e se tornou Cruzeiro

 

 

Arte VT

 

Vanderlei Testa, jornalista e Publicitário escreve na Gazeta de Votorantim

 

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